Separação dos pais e os
tipos de guarda
Separação dos pais, tipos de guardas e conseqüências para o desenvolvimento psicológico da criança.
Escrito por: Carmen Alcântara*
Nas últimas décadas, o número de separações e divórcios tem crescido em grande velocidade e em muitos casos temos como conseqüência a disputa pela guarda dos filhos, o que pode trazer conflitos e sofrimento psíquico para todos os envolvidos.
Freud, em O Mal Estar da Civilização (1930), nos fala o seguinte sobre o sofrimento:
“O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado à decadência e a dissolução, (...) do mundo externo (...); e finalmente de nossos relacionamentos com outros homens. O sofrimento que provêm dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro.”
Muitas vezes, a separação traz conflitos para a criança, que passa a existir como um objeto de disputa dos pais, e esses se esquecem ou não conseguem assumir neste momento doloroso, o papel de pai e mãe. A criança na maioria das situações se sente dividida e quase nunca é ouvida pelos pais.
Existem três modalidades: a guarda unilateral, a guarda alternada e a guarda compartilhada.
Na guarda unilateral, a mais adotada em nossa legislação, apenas um dos pais – na maioria das vezes a mãe – fica com a guarda dos filhos, enquanto ao outro fica o direito de visitas que geralmente ocorre nos finais de semanas alternados e uma vez durante a semana e a obrigação de pensão alimentícia. Nessa modalidade, aquele que tem a guarda toma as decisões sozinho, o outro genitor por conseqüência, pode acabar se distanciando da educação dos filhos.
A guarda alternada, que não é adotada em nossa legislação, é aquela em que os pais revezam a guarda física e jurídica do menor por um determinado tempo que pode ser dias, semanas ou meses. A falta de residência fixa e a inconstância social faz com que este tipo de guarda não seja muito aceita e utilizada em nosso país. Segundo Grisard Filho ( 2002) "Não há constância de moradia, a formação dos hábitos deixa a desejar, porque eles não sabem que orientação seguir, se do meio familiar paterno ou materno. (GRISARD FILHO, Waldir. Guarda Compartilhada. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2002, p. 190)." (...)" (in: FILHOS DA MÃE (UMA REFLEXÃO À GUARDA COMPARTILHADA – Artigo publicado no Publicada no Juris Síntese nº 39 - JAN/FEV de 2003).
Para Françoise Dolto (1908-1988), reconhecida psicanalista infantil, quando pequena a criança não consegue suportar a guarda alternada sem ficar solta na sua estrutura, até eventualmente dissociar-se, conforme a sensibilidade de cada um. Ela costumava nomear estas crianças de “filhos-joguetes”.
Segundo Dolto, ao longo de alguns anos foram sendo constatados inúmeros casos de incidentes graves e tentativas de suicídio entre crianças e adolescentes e por isso a guarda alternada foi proibida na França, nos anos 80. A mais utilizada até hoje, tanto na França como nos Estados Unidos é a guarda compartilhada.
A guarda compartilhada é uma modalidade, onde os filhos moram com um dos pais e estes continuam a tomar decisões conjuntas sobre a criação e educação de seus filhos, do mesmo modo que faziam durante o casamento, sem limitações de visitas, não podendo restar, contudo nenhum tipo de conflito de relacionamento.
A guarda compartilhada traz várias vantagens tanto para os filhos, quanto para os pais. Em relação aos filhos, a convivência igual com cada um dos pais, maior comunicação entre eles, adaptação no novo grupo familiar de cada um de seus pais e melhor imagem transmitida de família aos filhos.
Para os pais, este tipo de guarda melhora a competência de cada um deles para cuidar dos filhos, favorece a cooperação e melhora também a divisão dos gastos na manutenção dos mesmos.
Como visto, um dos benefícios mais importantes trazidos pela guarda compartilhada é o bom relacionamento e respeito entre ex-parceiros, pois percebem a necessidade de cuidar do desenvolvimento de seus filhos, reforçando a união da família. Lembrando que no divórcio há a dissolução do vínculo conjugal, mas a família permanece na sua constituição de pais e filhos.
Este tipo de guarda, contudo, somente poderá ser concedida pelo Juiz se ele assim entender haver um bom relacionamento entre os pais, prevalecendo sempre o princípio do maior interesse dos menores sobre o dos pais, caso contrário, a guarda unilateral prevalecerá.
Segundo ainda Françoise Dolto (1988), existe na vida da criança, três pilares fundamentais, as quais ela denominou “continuum”: O continnum do corpo; o continnum da afetividade e o continnum social.
“O corpo da criança construiu-se num determinado espaço, com os pais presentes. Quando os pais se separam, caso o espaço não seja mais o mesmo (a casa, a escola), corre-se o risco da criança pequena não mais se reconhecer no seu corpo, na sua afetividade e no seu social. Portanto, quanto menos mudanças ocorrerem nos referencias espaciais melhor, já que a separação dos pais é sentida em um primeiro momento como algo desestruturante.”
Para a psicanalista, também é importante que os pais preparem a criança para a separação, falando sobre as dificuldades de relacionamento e a forma que estão pensando em resolver estes conflitos. A criança possui radares ultra-sensíveis para detectar os estados emocionais dos pais, quando estes não são verbalizados, a angústia e a insegurança geradas na criança podem ser desorganizadores.
Outro aspecto importante a ser abordado é sobre a vivência constante de brigas e tensões entre o casal, durante o casamento ou depois da separação. Estas vivências, sentidas como traumáticas, pode levar a criança a um mal estar crônico, um estresse prolongado que pode com o tempo se transformar em doenças físicas ou mentais.
Portanto, juntos ou separados, as brigas entre os pais são sempre danosas à constituição do psiquismo infantil e aos valores que esta criança apreende sobre si mesmo, o outro e aos relacionamentos interpessoais.
É na família que se dá o aprendizado para a criança, das relações amorosas e hostis. Quando ocorrem muitas brigas entre o casal, as imagens dos pais ficam desvalorizadas, passa a não haver bons modelos de identificação, instalando-se o medo, a insegurança, a raiva e o aprendizado das relações hostis e normas de conduta sem ética.
Portanto estimular na criança bons modelos de convivência familiar, durante o casamento ou fora dele, contribui sem dúvida nenhuma para um bom desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social. As crianças agradecem!
Referências:
Dolto, F. Quando os pais se separam. São Paulo, Zahar ed., 1988.
Freud, S. O mal estar na civilização. São Paulo, Imago, 1981.
Leitura recomendada:
Wettreich M. Manual de mães e pais separados: guia para a educação e a felicidade dos filhos. Rio de Janeiro, Ediouro, 2006.
* Psicóloga Clínica e Psicanalista. Mestre pela Faculdade de Medicina-USP